sexta-feira, 17 de novembro de 2023

OLHANDO NO RETROVISOR

crédito da imagem: https://pt.pngtree.com/freebackground/road-h5-distant-background_679900.html


Fabricado no longínquo anos 60, tadinho, já está dando muitos problemas. Acho que já está na hora de o aposentar.
Não digo jogá-lo ao ferro velho, sucatear suas peças. Abandoná-lo no terreno baldio, onde cresce a erva e o lixo. Mas de encostá-lo na garagem e deixá-lo descansar.

Afinal, foram mais de 60 anos na estrada, muito bem rodados.
Analisando toda a sua trajetória, parece mais um trator, ou um tanque de guerra nos campos de batalha. Incansável trabalho pesado, infindáveis lutas. E poderia dizer: cansou do trabalho pesado; cansou das lutas.

Os amortecedores já não são os mesmos, já sentem o desgaste das passadas.
Nem o óleo desce perfeitamente pela tubulação, parece que tudo entupiu. Tem que se alimentar de um óleo aditivado, colocado bem devagarinho para que não venha a engasgar.
E por falar em engasgar, às vezes, na hora de ligar, tem que engatar uma segunda marcha para ver se pega no tranco. Não que precise empurrar, ainda não chegou nesta fase, mas no tranco, às vezes, como disse, é necessário.

Vive na oficina. Sempre fazendo um check up. Teste disso, teste daquilo. O mecânico passando "medicamentos especiais" para prolongar sua vida útil. Ocasionalmente uma vida meio que inútil..

O motor ainda não está batendo biela, segue firme, pulsante, a pressão como de um adolescente. Mas é uma fumaceira danada, bufa o dia inteiro. Acho que o problema é no sistema de alimentação e distribuição.

O velhinho anda um pouco enferrujado, desbotado, perdendo o brilho. O seu auge, o seu glamour, já passou faz algum tempo. Agora é ir tocando, trocando as marchas bem suave. Nada de acelerar. Pé no freio e pouca estrada, desviando dos buracos, pegando os atalhos da vida e esperar o momento de apenas ficar registrado na história.

Modelo único, com o número do seu chassis registrado, documentação em dia. Cumpridor do seu papel, da sua função para a qual foi produzido, com respeito. Deixando um legado de um novo modelo, aperfeiçoado. Mais moderno, mais eficaz, bem mais melhorado. Em tempos tecnológicos é perfeito, muito eficiente. Capaz de desbravar o mundo.

E assim segue a vida, olhando no retrivosor o caminho seguido, e fica para quem vem atrás se aventurar nestas novas estradas, novas jornadas, desafios e conquistas.
Estes outros novos modelos para perpetuar de geração em geração, e as histórias daquele velhinho carrinho, com carinho, jamais ser esquecida.


Wagner Pires

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

DESCASO

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Na sombra de uma árvore, balanço-me numa rede
Meu momento de relaxar e nada para pensar
Nem do enfadonho trabalho que me caiu ao colo
Muito menos das crises sociais mundiais que me fartam a cabeça
Aproveito apenas a solidão que coube a mim ter que viver

Sem sombra de dúvidas, vou deixar para me preocupar apenas com o jantar
Enquanto isto, vou me hidratando para que não desfaleça
Afinal, o calor está intenso e não quero nada que seja tenso
Já basta que sou muito propenso à irratabilidade
E, não peço paciência para não ter que prová-la

As sombras do passado, que sempre me acompanham, são os testes da minha tolerância
Ou a chamaria de intolerância?
Visto que minha idade não me permite mais ter que aturar cobranças banais
Comentários superficiais de tramas triviais
Sempre fui exigente comigo mesmo e o mundo, por isso procuro desafios profundos

A sombra de obstinação, com capacidade e respeito, eu deixo como herança
Uma representação fîsica e mental daquilo que eu vivi
Mesmo que o lugar seja mal iluminado debaixo da pequena árvore
Ou a rede um tanto quanto fraca para me aguentar
Simplesmente deixo de balançar e espero o tempo passar

Pois, não preciso de uma sombra para maquiar a minha personalidade
Para uns, a transparência já se incubiu de me transformar num monstro
Para outros, talvez, ela me revelou um fraco e incapacitado
Fico imaginando se alguém é capaz de enxergar além das minhas entranhas
No oculto, onde não há sombras


"Porque da janela da minha casa, olhando eu por minhas frestas, vi entre os simples, descobri entre os moços, um moço falto de juízo, que passava pela rua junto à sua esquina, e seguia o caminho da sua casa; no crepúsculo, à tarde do dia, na tenebrosa noite e na escuridão." Provérbios 7:6-9


Wagner Pires
in, Crônicas de Um Andarilho

quinta-feira, 29 de junho de 2023

EU




O Eu se acha o âmago do universo.
Fala alto, ri escrachado, gesticula, gosta de chamar a atenção. O centro das atenções.
Gosta de ouvir música alta em todo lugar.
Não é alta, é muito alta. e nem se importa com nada.
Geralmente é aquela música bem brega. Aquele jabá tocado em looping.

Aquele domingo ensolarado no parque ou na praça, quando queremos nos refugiar para apenas ouvir o som dos pássaros, do vento balançando as árvores. O barulho da criança correndo e rindo. Do pedalar da bicicleta. Dos sussurros dos casais e das famílias.
Apreciar o silêncio.
Na praia não quermos distração, apenas ouvir o rebentar das ondas. Olhar o horizonte, onde o céu encontra o mar.
Deitado relaxado observando o azul deste céu.
Mas eis que surge o nascisista com sua caixa de som JBL para tirar sua paz e sossego.

Este desconforto também é sentido nos transportes públicos, tem a briga pela audiência.
Balbúrdia do trânsito e a azáfama lá dentro.
Gritaria, falatório e o Eu querendo chamar a tua atenção. Te observa querendo te envolver na conversa.
Ônibus, metrô, trem, inclusive no Uber é esta confusão. Música, novela, conversa no telefone, áudios do aplicativo.
No táxi é sem comentário, aí é um exagero de desrespeito. Futebol.
A narração é pura gritaria.
Nem se importam qual é o seu time, se é que você tem um time, se é que você gosta de futebol.

Barulho, barulho e barulho em todos os lugares.
Quando você mora num condomínio, seu refúgio para o seu conforto, sua segurança e silêncio.
Ah, aquele vizinho festeiro.  De olhar arrogante, com a pálpebra caída. Semblante soberbo.
O pobre palhaço se considerando alegre e divertido dono da verdade.
Considera que sua música é a número um nos trend top mundial.
Que seu gosto musical é o favorito de todos. A preferência universal.
Simplesmente porque é o seu gosto musical.

Barulho, barulho, e mais barulho, de todos os tipos.
Por falar em condomínio, não posso deixar de mencionar aquela família que mora no andar de cima.
Vivem como se morassem numa casa térrea cercado pelo verde.
O solitário numa ilha deserta sem ninguém para incomodar.
O caminhar do salto alto no porcelanato. O som alto das músicas, o brinquedo das crianças sendo jogados e arrastados. Arrastando também a cadeira da sala de jantar e da cozinha.
Gritaria, risos, falatório. Um vasto repertório.
Não tem dia nem hora. desconhecem a sua rotina e horário de trabalho. Nem te conhece, te ignora.

E quando o narcisista é o dono do bar (boteco, adega, lounge - cada dia um nome novo)?
É festa todos os dias, sem hora para começar e para acabar.
Alguns restaurantes estão adotando a prática da música ao vivo. É o fim.
Aí você me diz: "restaurante com música ao vivo sempre teve". Sim, mas não numa altura que seja impossível conversar, poder desfrutar e saborear uma refeição em família.
Alguns restaurantes se consideram balada.
Nestes casos de estabelecimentos comerciais, não adianta fazer boletim de ocorrência, não adianta ligar para a polícia, muito menos abaixo assinado com os vizinhos. Esquece, ninguém age, ninguém se importa, o que importa é o valor da propina.
Ir falar com o proprietário, nem pensar, é perigoso. Nos dias de hoje, não sabemos com quem estamos lidando.
Nestes estabelecimentos com este som ensurdecedor: se está lotado, ninguém consegue conversar. Se está totalmente vazio, som alto para quem? Para os vizinhos ouvirem e não poderem assistir a TV, o bebê não dormir, a gente não dormir.
O som avança a madrugada.

Se todo este dilema fosse apenas o som alto (que já seria muito).
Mas ainda tem outros. Por exemplo, o escapamento cerrado da moto do entregador do aplicativo que acelera desnecessariamente nem à sua porta.
O escapamento furado do carro velho com o motor batendo biela e soltando muita fumaça.
São 24 horas dos sete dias da semana.

Nos dias da semana ainda tem que aguentar o megafone do vendedor ambulante.
A pamonha, a água sanitária, a reciclagem de óleo, o entregador de gás.
Promoção do ovo, a pizza de 10, e tantos outros produtos e afins.

O locutor no microfone dos supermercados, ou na frente das lojas, anunciando a promoção, acha que está numa feira. Igualzinho ao ultrapassado formato do programa de auditório.
Locução esta que sempre é acompanhada de uma trilha sonora. Justamente aquela: a música brega que virou modinha no carnaval passado.

A saúde mental do brasileiro não é normal.
Falam muito da poluição do ar e das águas, mas esquecem-se da poluição sonora.
Tem ainda aqueles que são contra o governo regulamentar a sociedade para educar e evitar o barulho.
Mas não da para esperar um comportamento respeitoso do narcisista.

O Eu, o narcisista, ainda é um ufanista.
Ele é o melhor, que tudo que possui e faz é o melhor.
Por isso, não vai se importar com a multa, pagando ou não pagando.
Para ele a multa não é uma forma de educar, uma maneira de doutrina-lo. Uma medida restritiva. Considera a multa um mecanismo do governo tirar dinheiro.
Por se considerar o melhor, não se acha na condição de ter correção.
E, se você não acha-lo o melhor, o problema é seu.

Quantos motoristas respeitam a faixa de pedestres, e quantos já foram multados?
Quem não respeita e não quer respeitar não vai enxergar a multa de uma maneira educacional, porque não se importa com ninguém.
Salve-se quem puder.
Haja paciência!



Wagner Pires
in, Silêncio, O Culto

quarta-feira, 28 de junho de 2023

MEU CÃO



O tempo passou e se tornou especial, de raça
Me deixou aqui sozinho na praça
Agora, olho a vida quando abro e me debruço na minha janela
Vêm os pensamentos, as dúvidas, reflito em minhas mazelas
Tomou seu rumo em busca do seu próprio destino
Em minha velhice, pago as consequências deste meu desatino
Porém, partiu e não quis dar satisfação
Talvez não quisesse mais tomar partido na minha depressão
Cansou das lutas que vivemos e a preocupação em sua segurança social
Preferiu que cada um levasse uma vida individual
Nesta nova caminhada, que conquiste a felicidade e lhe faça prosperar
Eu apenas aguardo o momento de me aposentar


Wagner Pires
in, Crônicas de Um Andarilho

terça-feira, 4 de abril de 2023

ESPELHO

imagem: https://www.sueamado.pt/2020/08/a-mudanca-deve-comecar-sempre-por-quem.html?spref=pi


- Quem sou eu?
- Não sei, me diga você.
- Não sei mais quem sou, o que sou, porque sou.
- Se nem você se conhece mais..... E, por que me pergunta?
- Também não sei.
- E o que te traz aqui?
- Aqui onde? No Banheiro?
- Não, não, aqui, aqui.
- Ah, sim, aqui......aqui. Pois é, meu lugar não é aqui, meu maior erro.
- Se foi um erro, e seu lugar não é aqui, está só de passagem?
- Sim, talvez. Mas demorando muito, e nem sei para onde vou, quando vou.
- Não sabe para onde vai, porque veio.....
- Perguntas sem respostas. Como disse: uma grande bobagem, estou de passagem.
- Caminhando e esperando o tempo passar?
- Sim. Caminhando, voando, flutuando; viajando, sonhando, delirando. Delírios e devaneios.
- Sonhar. Sonhar não resolve.
- Eu sei, por isto estou indignado comigo mesmo: meus sonhos e meus desejos. Minhas necessidades: minha culpa por não conseguir realizar meus sonhos, não suprir meus desejos e estas minhas necessidades. Aliás, os sonhos foram realizados, porém todos eles mal executados.
- Grande otário. E não me venha com conversa de fé para conquistar.
- Também sei. Longe disso, nada de religião. Foi por acreditar nas pessoas que só tive frustração e decepção.
- Bem que eu te avisei! A admiração que eu tinha por algumas pessoas eu perdi, assim que eu as conheci.
- Pelo menos este tempo foi revelando tudo e todos.
- Quem é quem, e porque são assim. Ou melhor, porque agem assim.
- Interesses, meu caro. Interesses.
- Cada um preocupado com seus próprios interesses.
- E o tempo é o meu pior inimigo. Insiste em me contrariar. Quando tenho pressa ele é devagar. Quando preciso esperar ele é rápido demais.
- Xi, perdi a noção do que é o tempo. Nem quero saber que dia é hoje para não me chatear com meus afazeres. Parece que foi ontem o que faz muito tempo, e o que faz muito tempo parece que é hoje ainda.
- Para mim, parece que já é tarde para tudo.
- Nem sempre. Depende o que podemos considerar ‘ser tarde’. Depende o que se tem que realizar.
- Sim, mas...esta é a questão: realizar. Como vou saber o tempo que irá se realizar: se demora muito para acabar, ou não? Estou cansado.
- É uma boa pergunta. E você já havia comentado: ‘demorando’. Rapaz, não tem como alterar o tempo. Acelerar, voltar ao passado. Isto só causa ansiedade e depressão.
- Muito difícil de entender e explicar.
- Nem tudo conseguimos um entendimento e uma explicação.
- Por isto estou tentando ir levando, mesmo sem entendimento.
- Confuso. Ninguém caminhando de lugar nenhum, para lugar nenhum, sem saber quando partir.
- E para quê?
- Isto também: para quê.
- Só sei que este tempo foi me transformando: para o bem ou para o mal.
- Verdade, vai nos moldando, mudamos a percepção do mundo. A luta do bem contra o mal que também necessita de reflexão.
- Complexo este tema do que é o bem e o mal, como saber?
- Salve-se quem puder.
- Salvar-se para sobreviver.
- Viver cada dia o seu próprio mal.
- Tudo isto me fez enxergar que sou o criador e a criatura. O monstro que sempre fui, o monstro que me tornei.
- Percebe-se pelas cicatrizes.
- Prefiro nem olhar mais, imaginar tudo isto em meu caminho. Carregar o fardo do passado como lembranças e esperança para um futuro incerto.
- O monstro desconhecido em seu desconhecido caminho no limiar da sua própria loucura.




"Naqueles dias, as pessoas buscarão a morte, mas não a encontrarão; desejarão morrer, mas a morte fugirá delas. O aspecto dos gafanhotos era como o de cavalos preparados para a batalha. Em suas cabeças havia algo como coroas parecendo ouro, e o rosto deles era como rosto de seres humanos." Apocalipse 9:6-7







segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

A CAVERNA

https://www.flickr.com/photos/24658705@N02/3468296151/



Meus sentidos caminham ao redor e não vejo uma saída
Vislumbro uma penumbra num enorme vazio sem vida
Vasculho, reviro, revisto, não encontro nenhuma palavra
Nem mesmo as lembranças estão visíveis
Foi-se a alegria corroída pela traça
O desespero reverbera uníssono ao silêncio

Nesta escuridão, perdeu-se a visão
Estático como uma estalagmite
Fruto de uma ação inerte
O gotejar constante d'uma opressão caída da estalactite
No tempo que passa devagar quase parando
Pálido sem cor e sem brilho na ausência de Luz

Intolerante ao grito, incomoda qualquer ruído
E quanto mais se aprofunda, mais afunda
Acender uma fogueira só queimaria o pouco do oxigênio
Stress, vertigem, garganta sufocante
Neste vácuo desabitado de pinturas rupestres
Se adaptar no dia a dia para poder chegar ao último instante


"Com o silêncio fiquei mudo; calava-me mesmo acerca do bem, e a minha dor se agravou...Poupa-me, até que tome alento, antes que me vá, e não seja mais." Salmos 39:2 e 13


Wagner Pires
in, Roteiros de Uma Rotina

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

AH, O AMOR

https://i.pinimg.com/originals/9f/5c/2e/9f5c2ea1555a141d1416b4352ad33977.jpg


Amores conquistados
Amores perdoados
Amores inventados

Amores divividos
Amores esquecidos
Amores renascidos

Amores invisíveis
Amores impossíveis
Amores inesquesíveis

Amores pervertidos
Amores escondidos
Amores perdidos

Amores safados
Amores danados
Amores abençoados

Amor escrito, descrito, falado e cantado pelos poetas
Amor pintado e esculpido pelos artistas
Amor encenado e representado pelos atores

Amor nem sempre vivido na vida, e que causa dores
Amor, é amar sem dor
Amar o amor

Julgar e conjugar todas as formas de amar
São expressões que facilmente sai da boca por clamor
Mas nem sempre a verdadeira atitude para se desfrutar


"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria". 1 Coríntios 13:1-3


Wagner Pires
in, Crônicas de Um Andarilho