sábado, 28 de novembro de 2020

LIBERDADE



Percorro corredores estreitos, cheios de espelhos, mas não consigo discernir minha face.
Vivo a ilusão do caminho encontrado,  dou com a cara no vazio,
Derrubado ao chão, cansado, frustrado.
De um lado para o outro não encontro a saída, observo vultos, sons ocultos.
No fim do corredor, finalmente vejo um facho de luz,
O sol brilha apenas lá fora, fico trancado em quatro paredes.
Gostaria de ir para a desforra, o relógio fincou seus ponteiros.
No COTIDIANO dos jornais sempre a mesma Rotina em seus  Roteiros.
A fuga me condenaria a morte, fico jogado a sorte,
Só me permitem ir de trabalho em trabalho, não respeitam o cabelo grisalho.
Arrasto-me com imensa dificuldade, intensa dor, o calcanhar sangra da crueldade.
Apenas apoiado pelo meu parceiro, nem sempre meu companheiro, seguimos como forasteiros.
Olho para todos os lados, onde estará o serralheiro?
Não deixou rastros nem sombra, os fantasmas aproveitam e me assombra.
Acusações infundadas para me afundar.
Querem afogar-me, estacionando em alto mar.
O paladar se tornou salgado por ter me tornado um abnegado; um abstencionista querendo ser abolicionista.
Deixei o cargueiro carregado de fardos, descarregou minhas forças, um abandonado. Indigente ocultado.
Suas correntes cada vez mais pesadas, indo profunda. Coágulo causaria embolia.
Sou obrigado a remar devagar, em direção ao altar, para não causar uma implosão.
Erupções flutuantes de ar como águas-vivas, mortas. 
Queria que fossem coloridas bolhas para me elevar as alturas, chegar às nuvens, numa alegre folia.
Dançando com o vento, sem contra tempo, mas no ritmo regular do contratempo.
Meu mundo em perfeita sintonia de uma orquestra onde o maestro rege a sinfonia.
Com toda energia, da exosfera passaria, sem imaginar até onde minha alma me levaria.


"Então eu me volvi e entreguei meu coração ao desespero no tocante ao trabalho, o qual realizei debaixo do sol...Porque todos os seus dias são dores, e a sua ocupação é aflição; até de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade."
Eclesiastes 2:20 e 23


Wagner Pires, in Roteiros de Uma Rotina

sábado, 21 de novembro de 2020

FOME

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A madame desfila com seu cãozinho de lacinho cor-de-rosa, toda dengosa
Toda semana é banho e tosa, chega da petshop muito cheirosa
Alimenta-se da melhor ração, apetitosa
Não se fartam: vida gulosa

Na mesma quadra, lá vem o garotão de camiseta regata, todo bombado
Passos apressados, pela trela, quase enforcado, vem sendo arrastado
Cão de torque firme, agitado; muita cautela, cruzar seu caminho é arriscado
Focinho empinado, sempre com o dedo em riste, comportamento estouvado

Outros tantos com beleza, mais alguns de uma exemplar obediência
São guias, guardadores, caçadores com perseverança e insistência
Apesar do seu porte, é meigo, dócil com assistência e competência
Trabalhadores em resistência, de sabedoria e inteligência   

Mas pensam que eu sou Caramelo, aquele sem raça, mas com graça
Brincalhão, abana seu rabo para quem passa
Sou apenas um desfalecido na praça
Enquanto minha manga ainda arregaça, não vou viver com que da mesa grassa

"Mulher, grande é a sua fé! Seja conforme você deseja". Mateus 15:28


por Wagner Pires, em Silêncio, O Culto