quarta-feira, 25 de março de 2020

FILME DE HORROR



Meu décimo dia de quarentena.

Acordo e continuo representando meu papel de ator coadjuvante neste filme hollywoodiano apocalíptico.
Não posso me considerar um figurante, sim, sou mesmo um coadjuvante, afinal eu protagonizo cenas neste roteiro de horrores.

Levanto ainda meio sonolento com as imagens dos pesadelos vividos na madrugada ainda presentes em minha memória. Fico confuso, não consigo discernir a ficção da realidade: noticiários na TV e filmes de terror.

Nestas notícias,  vejo um sociopata que rege um país, cheio de leis e pouca justiça social, induzir o caos, o pânico, o desespero, induzir à morte, influenciar ao suicídio. Quer causar um genocídio.

Seria este, também um outro filme de terror?

Loucos insanos sedentos por sangue e mais poder?
São empresários, políticos e muitos militares; cientistas e médicos, sim até alguns deles, com bom grau de instrução, apoiando e aplaudindo tais discursos de morte.
São estes que acreditam que a Terra é plana.

Querem mais mortes além daqueles que estamos assistindo a tantos anos na TV: mortos pela criminalidade, mortas pelo feminicídio, mortos pela falta de saneamento básico, mortes causadas pela fome.

Elite gorda, inerte, fartos de alimentos, que nada basta para saciar a fome desta riqueza e poder.
Aí sim, neste cenário, sou mesmo um mero figurante. Figuro em meio à uma multidão acomodade n infame país. E nada posso fazer além de reclamar e lamentar aguardando que os movimentos sociais mobilize o Congresso Federal, pois não fui participante na escolha destes líderes!

Enquanto isso, tenho que sair à rua, comprar o pouco que resta nas prateleiras dos supermercados com o pouco que resta no meu bolso.

Os efeitos especiais deste roteiro são dignos de Oscar®, revelam, neste outono, a realidade do silêncio que escuto pelo caminho. Não vejo ninguém, mesmo assim olho para todos os lados, desconfiado de tudo e de todos. O assassino não é apenas o vírus invisível, poderá estar camuflado, escondido, disfarçado.
O contaminado na mente doente poderá estar disfarçado de amigo, de parente, de alguém que está pedindo uma ajuda. Ou ainda, disfarçado de solidário para, na verdade, confiscar em benefício próprio, esperando a oportunidade para destruir o sistema imunológico e desferir o golpe fatal. A baixa humanidade procurando a baixa imunidade social.

A fotografia é assustadora, hospitais superlotados, cemitérios abarrotados, sem uma alma viva para poder velar pelos seus mortos.
Comércio quase falido: fechado, esvaziado, tudo trancado.
No caminho de volta foi impossível segurar o choro, tive vergonha e medo, insegurança pelo dia de amanhã.
Muitas vezes falta-me fé, outras vezes sobra-me questionamentos de onde estaria Deus.
Parece que este Deus não se comove com o desespero dos seus?

Todos os dias parece estar nublado, acinzentado. O sol é tímido. O vento arrasta folhas que rompem o silêncio das ruas.

Chega a noite, vem a madrugada e, enfim, desperta um novo dia, décimo primeiro dia de um isolamento social.
A cidade continua abandonada, minha liberdade continua trancafiada e a vontade de não fazer nada.
A trilha sonora são as vozes dos noticiários que repetem números e previsões.
As informações não faltam na TV, pedem paciência e cautela, todos dentro de suas celas.
As mentiras sobram nas redes sociais. Muitas orações de proteção, chazinhos que curam, remédios milagrosos, medicamento que ainda nem foi comprovado é aconselhado pelo insano presidente: demente, muitas vezes diz e depois desmente.
Alguns religiosos: hipócritas, contraditórios, insistem em pregar a sua fé em troca de uma oferta. Brigam com a justiça para que suas portas não se fechem. Para que não feche as portas em definitivo com a queda de suas receitas. Mais uma vez se manifestando o vírus da ganância - contrariando a Palavra de Cristo.
Vírus que só faz pensar em planilhas: números na conta corrente.
Vírus instalado na mente daqueles que só querem chegar ao poder.
Este vírus potencialmente contagioso. Contaminou um grupo de líderes religiosos que ostentam a riqueza, não querendo abandonar suas posições de conselheiros do "rei" (o presidente). 
Se auto-intitulam orientadores do povo, formadores da família tradicional brasileira, pessoas do bem!(?)
Filhos da mentira, propagam a desinformação.

Um vírus do nepotismo. Cega, não querem ver a verdade, não enxergam a sociedade.
Não se importam com o sistema de corrupção e o corruptor, desde que seja para continuar como gestor.

Alguns outros religiosos continuam trancados  no distante passado das quatro paredes dos seus templos, com a mente trancada em sua liturgia ultrapassada voltada ao egocentrismo do obscurantismo. Influenciadores de uma geração involutiva, mesquinha, preguiçosa e acomodada, com dogmas e preceitos pré estabelecidos, preconceituosos e egoístas.

Pandemia, religiosos na política, parece um roteiro da Idade Média.

O mundo está um caos.
Governantes despreparados.
Sem rumo, sem direção, não sabem o que fazer.
Poucos bem intencionados.
Estes agem com sabedoria, são os protagonistas.
Há ainda os que pensam que são verdadeiros atores teatrais, administram como se ainda estivesse num show business com sua prepotência e soberba.

Esquecem que esta crise não escolhe rico ou pobre, velho ou novo, Oriente ou Ocidente. Ninguém está imune, ainda. E, enquanto não houver uma vacina ou um remédio, este filme continuará a ser rodado, dia após dia. Neste caso, tantos outros protagonistas não podem sair de cena: médicos, pesquisadores, cientistas e profissionais de serviços básicos que não param por nenhum momento.

Visto isto, assumo uma fala de até arriscar quais as nações sairão mais fortes em sua liderança mundial, outras que continuarão fragilizadas, e outras que perderão o seu posto de administrador do comércio global. Afinal, esta é uma nova fase da civilização, desde janeiro, ou dezembro, talvez, pois ninguém sabe ao certo quem foi o primeiro infectado; não estamos mais na Idade Contemporânea. O mundo mudou, a visão geopolítica que tínhamos já não existe mais.
Por enquanto, ninguém, nenhum líder mundial, nenhum filósofo, historiador, ou cientista político é capaz de descrever o futuro, mas uma coisa é certa, o mundo já não é mais o mesmo, e que a chave desta nova civilização seja a solidariedade, que tanto faltou neste capitalismo desigual e desumano.

O vírus mata. A falta de saúde pública mata. O desemprego vai matar. E a fome já vinha matando muito mais em diversos países a longos anos.
Se estes líderes mundias não tiverem novas estratégias para reorganizar este mundo, novos vírus virão, talvez mais fortes, e não sobrará roteirista de cinema capaz de levar para a ficção o que podemos viver na realidade. Não sobrará ator sequer para interpretar nenhum papel neste cenário contemporâneo transformando em Idade Média.

Uma floresta de concreto abandonada segue descrita nestes longos dias em meu roteiro até que tudo possa voltar à normalidade.



by Wagner Pires, in Silêncio, O Culto, Mar 23th, 2020

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