quinta-feira, 22 de maio de 2025

EU TÔ NA AZIA




- Tenho ouvido muitos rumores de que você quer me deixar.....

- Não, não são rumores. Nunca escondi isso, nem de você, nem de ninguém. Pelo contrário, tenho sido claro e direto.

- O que eu fiz para que tomasse esta decisão?

- Justamente esse é o ponto: você não tem feito mais nada. Nenhuma novidade, nenhum movimento, nada que acendesse um novo brilho em meus olhos. Nenhuma lâmpada mágica que se acendesse em minha mente. Sempre os mesmos Roteiros de uma Rotina repetidos à exaustão neste COTIDIANO. Deixei de ser aquele aventureiro que narrava tudo nas Crônicas de um Andarilho.

- E teus sonhos..... comigo? Tudo aquilo que planejou, que desejou?

- Não consigo enxergar qualquer possibilidade. Parece tudo impossível agora. O tempo passou depressa demais. Fui incapaz de transforma-los em realidade. Cometi muitos erros, tomei caminhos equivocados. Hoje, tudo se resume a um árido trabalho, um desgaste físico e mental sem perspectiva. Um grão insignificante neste imenso universo.
Num misto de depressão e ansiedade, numa banalidade e, para isso, já não tenho mais idade.

- Sim..... idade..... todos estes anos juntos. Pretende jogar tudo fora?

- Eu sei..... tivemos uma longa trajetória. Repleta de momentos incríveis. Histórias verdadeiras que pude contar para àqueles que queriam ouvir. Não se trata de jogar fora - isso seria impossível. Ninguém pode simplesmente querer apagar e esquecer. Para alguém, para alguma coisa, em algum lugar tudo ficou registrado. Não foram mentiras; foram vivências, acontecimentos que jamais deixarão de existir. Minhas histórias, minhas lembranças..... os relatos descritos que eu deixei, que ficarão nestas nuvens, talvez alcançando o desconhecido, mesmo que eu tenha sido um desconhecido. Estas histórias são a explosão que viajará por todo o universo.

- Não vale a pena ainda tentar, insistir..... ?

- Não sei ainda..... até quando...... quantas bodas mais virão? Proveitosas, inúteis, indiferentes, O quanto um ainda é importante para o outro?

- E..... essa outra?

- É um mistério. Mistério para mim, mistério para todos. Um enigma para os estudiosos, um abismo para os leigos. Simplesmente o mistério da humanidade. Ninguém pode afirmar se esta decisão é a certa. Não adianta discurso religiosos querendo me afrontar, ou me justificar.

- Você sabe que não tem como se arrepender, nem voltar atrás. É um caminho sem volta. Não terei como te compreender e te aceitar de volta arrependido.

- Claro que sei. Não seria ingênuo de achar que poderia regressar a você. Tenho plena importância de tão quão importante foi você para mim. Afinal, deixei semente que brotou, floresceu, frutificou, amadureceu. Que este fruto possa seguir este mesmo caminho de plantar sementes. Sementes físicas, sementes de histórias, sementes de caráter e personalidade.

- Tem ideia de como será a partir do momento em que me deixar?

- Deixar você..... não será nada mágico, místico, ou transcendental. Será apenas como o apagar de uma luz. Fechar os olhos e adormecer profundamente, sem sonhos, sem pesadelos. Apenas o silêncio..... e a companhia da minha nova parceira. Ela não me fará promessas e não me alimentará com ilusões. Simplesmente ela estará comigo, ao meu lado, juntos para toda a eternidade.



por Wagner Pires
in Silêncio, O Culto

terça-feira, 13 de maio de 2025

"JENIALIDADE"

https://br.pinterest.com/pin/3940718417692687/


Haja paciência para que se possa ter uma digna sobrevivência.

Hora de acordar, caminhar por ruas esburacadas, mal tratadas e você tropeça na falta de respeito das pessoas que encontram pelo caminho.
Tenta atravessar uma passarela e tem que se espremer nas grades, poorque o inflado egoismo de um grupo de três pessoas conversando lado a lado ofuscou a visão não permitindo que me visse em sentido contrário.
Chego à uma estreitíssima calçada e o fato se repete. Um casal tão apaixonado que não vê mais ninguém no caminho e não conseguem simplesmente por uma fração de segundo largarem as mãos. Eles estão indo, sem se preocupar com quem está vindo.

Chego no ponto de ônibus e aí é um salve-se quem puder, todos querem entrar primeiro, é um empurra-empurra. Prioridade, não existe. Mochilas às costas, ou deixadas no banco que deveria estar vazio. Penduram-se aos ferros e não dão licença, estacionam nas portas. A gentileza é história do passado, apenas guardada na memória de algum museu.

Não é nada diferente quando vou às compras, os preços estão caros, a grosseria é gratuita.
Nos corredores e, principalmente, quando se chega ao caixa. Furam a fila, também não se respeitam as prioridades, deixam produtos na esteira, carrinhos pelo caminho. Não tem pressa de embalar as compras, muito menos para efetuar o pagamento - calmamente pegam a carteira que está na bolsa, procuram o cartão, e ainda pegam o cartão errado. Consultam o saldo no celular que não consegue sinal de rede. Parece que estão passeando em turismo pela Champs-Elysées. Esperar, fazer o que!

Carrego tudo no meu carro e tento voltar para casa. Ônibus e caminhões saem em velocidade de suas exclusivas faixas e invadem as demais. Motos atravessam o caminho zigue-zagueando, buzinando, escapamentos adulterados. Todos alterados: gritam, xingam, brigam, sacam uma arma. Um rali de egos e desanteção. Falta de atenção e um lerdo reflexo. Reflexo de comportamento em que o seu umbigo vale mais do que uma vida.

Me sento ao balcão da cafeteria, o desrespeito senta ao lado. Curiosamente, o desrespeito vem dos dois lados do balcão, seja num serviço privado, ou público. Agressivamente, o "rei" faz o seu pedido, e o atendente reage como um "súdito" revoltado. Estressado por ter caminhado em estreitas calçadas, atravessado tumultuadas passarelas e chegando ao trabalho em transporte lotado. Muitas vezes num trabalho de uma relação: exploração x desinteresse (eu quero contra o eu preciso - conflito sem equilíbrio). O cliente atravessou a cidade por vias congestionadas com caminhões, ônibus, carros e motos disputando um campeonato de tempo e espaço.

O estressado cidadão, morador numa cidade sem um Plano Diretor, ou, talvez, com um Plano Diretor voltado aos interesses das construtoras, do setor imobiliário, do comércio local, mas nunca voltado a eficiência e qualidade de vida.
Altos prédios com seus minúsculos e desconfortáveis apartamentos deixam a tensão nas alturas. A cidade espremida.
Sem poder se expressar, nas comunidades os moradores esquecidos, nas calçadas os moradores invisíveis.
Inviável qualquer plano de resocialização. Não há uma efetiva ação, porque ninguém tem razão. Políticos, polícia, poder público, abandonados, drogados, crime organizado numa cidade desorganizada. Na mídia se faz muito barulho para nada.

O barulho invade a vida das pessoas na velocidade do som. Uma trilha sonora mal redigida muita mau regida. Sem harmonia.
Motos envenenadas, carros com em seu alto volume de um estilo musical piorado. Estes estilos musicais brega também acupam os restaurantes, não há diálogo porque o som se sobressai. 
Diálogos de narcisistas viraram um linguajar tosco, limitado e de baixo calão.

Ouve-se ainda o ruído de uma política que desmorona, em frangalhos. Uma polarização burra por uma admiração cega por um "mito" que surgiu de uma fé exagerada aprisionada em um ambiente intolerante, desigual e cruel. Onde deveria se pregar a vida, se doutrina a morte.
Morte da liberdade, morte dos ideiais, morte dos desiguais.

Neste tempo, vemos morrer a sabedoria e a inteligência. As telas brilhantes dos celulares estão apagando as mentes brilhantes. Não existe mais a ponte ao conhecimento, são dois lados que não se conectam. Um lado é um espelho que reflete uma imagem de vaidade e busca frenética por atenção. Do outro lado a incapacidade de discernir o certo - a ilusão - uma vida bem dotada de maravilhas.

A mentira virou uma verdade - virou um método. A verdade deve ser enxovalhada - contestada e ironizada.

A linha tênua que separa o ufanista e a síndrome de viralata. Esta separação nada constrói, apenas destrói. Um nacionalismo, ou ausência dele, que se afastam por não terem senso crítico.

Momento crítico: a ignorância (falta de inteligência) do brasileiro. Não importa se é aquele privado de oportunidade, ou aquele diplomado numa escola privada, muito bem empregado, bem remunerado, profissional prestigiado.

O verdadeiro saber vem da humildade. E esta, parece, anda muito em falta.



por Wagner Pires
uma crônica em Silêncio, O Culto 



domingo, 4 de maio de 2025

OBSERVATÓRIO: OBSERVANDO UMA RENCA DE OTÁRIOS

 

https://jrocheleau.blogspot.com/2015/01/originaux.html



O Brasil é, sem exagero, um país estranho.

Um grande público passou dias acampado em frente a um hotel na cidade do Rio de Janeiro, usando fraldas, rolando-se no chão, lamentando-se e chorando, enquanto comia - depois de sofrer com fome, sede e calor - esperando um simples acenar de sua diva que iria se apresentar ganhando milhões em cachê em dinheiro saído dos cofres público, a qual é abastecido, também, e não só, por estes mesmo público.

Outro grupo se tranca numa igreja para ouvir as "profetadas" de um mini coach gospel. Uma criança arrogante e mal educada de apenas 14 anos de idade, que mistura um inglês sofrível, um português mal falado e idiomas imaginados e inventados em sua cabeca - como se fosse um emissário celestial com conexão via Wi-Fi com um deus inexistente vindo do além. O que ele e seus irresponsáveis pais querem mesmo é ganhar um bom vintém.

Há também os que vestem a camisa da seleção brasileira de futebol, a camisa canarinho, como se fosse um uniforme de guerra, marcham em avenidas pedindo a anistia para criminosos e, entre uma oração para pneus, chamados desesperadores para extraterrestres e uma aventura na parte externa frontal da cabine de um caminhão em plena rodovia, acreditam sinceramente estarem salvando a amada e idolatrada pátria. Porém, embarcaram numa modesta e furada catraia.

Até aqui, tudo normal - ou melhor, anormal, mas já quase habital neste decadente país tão desigual.

Acontece que, pensando bem, esses grupos muitas vezes se sobrepõem. O fiel que chora diante do púlpito do picareta orador é o mesmo que se ajoelha no quente asfalto clamando pela vida do golpista. O cidadão que defende teorias conspiratórios nas redes sociais, dignas de um roteiro hollywoodiano, é aquele que vê comunismo na cor vermelha da embalagem de ketchup - odeia a ideia da sua seleção, possivelmente, trocar o amarelo canário de sua camisa por um vermelho que simboliza as cores da árvore do pau brasil. São os mesmos que acreditam, com fé inabalável em qualquer: lorota, asneira ou fake news bem empacotada.

Não para por aí.

Também tem os malucos diplomados que se vestem de terno. Homens feitos, bem instruídos, que choraram quando souberam que um jogador de futebol, multimilionário - já aposentado - voltaria ao Brasil para faturar mais uns bons milhões de reais apenas assistindo aos desfiles na Marquês da Sapucaí enquanto promete um conto de fadas com um final feliz, semelhante às comédias românticas da Disney, para o seu time de coração. E até mesmo o sonho para a sua seleção.

Crianças de oito, nove, dez anos com cabelos tingidos de vermelho, choram desesperadamente enquanto repetem o refrão de letras recheadas de apologia ao crime, às drogas, ao sexo, à misoginia. Mal sabem o que estão cantando estes MCs e estas Pipokinhas, mas sentem tudo com a ignorante alma. E isso, talvez, seja ainda mais pertubardor.

E claro, não poderíamos esquecer dos especialistas de ocasião: os que aprendem geopolítica com os memes e virologia com vídeos de WhatsApp. São doutores do ódio, bacharéis do achismo. Ora discutem pandemias e vacinas, ora a economia global, ora a Cosntituição Federal. Os especialistas da invasão da Ucrânia, da guerra no Oriente Médio, das tarifas alfandegária mundial - sempre com a certeza de quem não entende absolutamente nada.

Por fim, restam os velhos rabugentos como eu.  Gente que, entre uma tarefa e outra, perde tempo observando este Brasil doente - e denunciando estas barbáries nas redes sociais.

Desistir de expor esta falta de cultura, ao que parece, seria a única e verdadeira loucura.


por Wagner Pires
uma crônica em Silêncio, O Culto